Apesar do grande número de candidaturas – praticamente meio milhão no país, levando-se em conta as disputas das chapas majoritárias e proporcionais – a campanha eleitoral de 2016 está bem menos vistosa que as de anos anteriores. Uma série de alterações na legislação eleitoral - entre elas o fato de serem as primeiras eleições nas quais está valendo a proibição do financiamento empresarial - respondem pela mudança. A maior parte dos candidatos a prefeito, e mais ainda a vereadores, queixa-se internamente das dificuldades em obter recursos. Mas, apesar de a mudança da regra ter inibido com força o financiamento das campanhas por grupos empresariais, apontado como um dos principais nós da cultura de corrupção na política que domina o país, candidatos apoiados por grandes companhias vêm conseguindo manter em parte o financiamento já que, agora, os próprios empresários estão, em diversos casos, fazendo vultosas contribuições individuais. A lei permite que pessoas físicas doem valor equivalente a até 10% de seus rendimentos brutos no ano anterior.
A regra também serviu para que controladores e proprietários de organizações empresariais deixassem mais claras suas preferências na eleição. Pelo sistema anterior, eram as pessoas jurídicas que faziam as doações e elas, via de regra, ocorriam para diferentes candidatos, como uma espécie de aposta diversificada independente de quem saísse vencedor. O que variava eram os valores, que, para observadores mais atentos, acabavam por identificar as preferências dos grupos empresariais ou seus controladores. “Uma das piores configurações é a que temos no Brasil: um Estado fraturado aliado à concentração empresarial”, considera o professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Ufrgs e pesquisador do Centro de Estudos Internacionais de Governo (CEGOV) e do Grupo de Pesquisa Instituições Políticas Comparadas (IpoC), Luciano Da Ros.
Além do financiamento empresarial, as alterações geraram a inibição das doações irregulares, o chamado caixa 2, que define a situação na qual há a destinação de recursos que não entram na contabilidade oficial da campanha. A prática, contudo, não terminou. Para driblar a nova regra, os valores são depositados por interessados em contribuir anonimamente em contas de correligionários e assessores políticos que, na sequência, efetuam doações legítimas ao candidato. Na última quinta-feira, o TSE divulgou balanço no qual aparecem 93 mil pessoas que fizeram doações a candidatos a prefeituras e Câmaras pelo país, mas possuem ganhos incompatíveis às contribuições. O valor das doações, somado, chega a R$ 300 milhões.
Mesmo com as possibilidades de drible, as novas regras do financiamento são elogiadas por especialistas e envolvidos em organizações de combate à corrupção. “Sou totalmente a favor da proibição do financiamento empresarial. Porque empresas que atuam estritamente no campo privado, via de regra, não constam em listas de doadores. As que estão são aquelas que negociam com governos ou se beneficiam com grandes isenções ou financiamentos do BNDES”, destaca o advogado Márlon Reis. Reconhecido internacionalmente por sua atuação na criação de mecanismos de combate à corrupção, Reis, em 2002, quando atuava como juiz no interior do Maranhão, foi um dos criadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o grupo que, na sequência, elaboraria a minuta do projeto de lei da Ficha Limpa.
Em abril deste ano, após 19 anos na magistratura, ele anunciou que estava deixando a carreira de juiz para abrir um escritório de advocacia em Brasília, cujo primeiro cliente foi o partido Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. “O financiamento empresarial era a maior lavanderia oficial de dinheiro público e apresentada como algo legítimo. Não é a toa que os setores que mais se ressentem da mudança são os mais arcaicos e que já avisaram que vão se mobilizar para ressuscitar o financiamento empresarial tão logo passem estas eleições.”
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